Então o tempo passou mais um pouco
E enquanto reli um triste e romântico poema meu
Tocava uma música de dor de cotovelo na rádio do mate
Vi a hora, as pálpebras pesam, mas sem vontade de dormir
É... a insônia vem piorando
Na minha cabeça os protagonistas das minhas histórias
Vão perdendo sua típica austeridade
E se tornando peças mais lúgubres e tristes
Ora, o que eu poderia esperar?
Afinal protagonistas sempre revelam muito do autor
O mesmo inferno volta para me abraçar
E agora, novamente, eu sinto que realmente devia ter deixado todas minhas esperanças
A cada dia tudo parece mais difícil e custoso
Dormir, levantar, tomar banho, fazer a barba
Comer, ouvir, falar, conviver
Dormir?... Nunca sonhei com o dia, apenas a noite e em maioria pesadelos
Levantar?... Tudo que queria era que um novo dia não começasse para mim
Ao tomar banho não sinto mais que meu sofrimento é levado pela água
Para fazer a barba, preciso olhar no espelho...
E lá eu vejo todo o desgosto e tristeza nos meus olhos, tento não me encarar
A comida parece sem gosto dentro da minha boca, mas sorrio dizendo que está gostoso
Agora ouvir os outros é tão difícil, por causa dos pensamentos que gritam na minha cabeça
Meus lábios parecem costurados, pois por mais que tenha o que falar não tenho forças
Conviver com o mundo? Tudo me desagrada
Nessas horas sei que não é o mundo que me desagrada, sou eu mesmo que o faço
Os primeiros passos do dia começam com uma torpe tentativa de cambaleio
Meu corpo dói, joelhos, pés, costelas, peito, tudo dói
Como se meu corpo estivesse apodrecendo
Afinal sou novo demais para estar com dores de velhice
Será que é isso? Que estou morto?
Rio, afinal mortos não caminham
Talvez eu esteja num entre termo
Não estou vivo, não me sinto vivo
Mas continuo por ai, vagando
Um “não-morto” talvez
Será que era pra eu estar morto?
Talvez seja por isso que esse inferno me persegue
Como não fui até ele, ele veio até mim...
Afinal por que me sinto assim?
Era para eu não ter nascido?
Mas a verdade... a verdade é que por mais que sinta tudo isso
Eu sorrio, rio, falo, cuido...
Por mais que eu esteja morto por dentro
Afinal não quero que ninguém veja essa doença que eu carrego
Sei que eles vão olhar meu sorriso, e nunca vão imaginar toda a dor que sinto por dentro
Sei que eles não imaginaram o que se passa aqui dentro, quanto mais entender
Mas não os culpo, pois nem eu mesmo entendo
Afinal como o cara que fala tanta porcaria e é sempre tão animado
Pode se sentir assim por dentro?
Se quer, eu já não entendo de onde tiro forças para permanecem “resistindo”
Lembro do meu avô que quando ainda era lúcido vivia repetindo
“O piá é forçudo”, “Ele foi a criança mais forte que eu conheci”,
“E mesmo com a camisa e as mãos cheias de sangue, você segurou o choro”
Essa última de quando eu ainda era bem pequeno e precisei levar uns pontos no queixo
É vovô... talvez o senhor estivesse certo e eu seja uma criança bem forte...
Chegando aqui mal sei como continuar esse “poema”...
Tanta coisa pra dizer ainda...
Releio-o e me toco de que ele é horrível
Mas por pior que pareça, sei que não é tudo
Sempre falta alguma moeda amaldiçoada a ser contada
Talvez achem que usei metáforas demais aqui, mas é tudo literal
Talvez achem que fui exagerado, mas é exatamente assim que me sinto e ainda faltam muitos detalhes deprimentes...
E o mais triste é olhar pra esse poema, e ver que nada mudou aqui dentro
Por mais que escreva, por mais que chore, nada mudou
... Tudo que eu queria era expurgar todo esse mal para fora de mim...